A saga do ônibus: Futuro (7º Capítulo)

12/04/2018

A saga do ônibus: Futuro (7º Capítulo)

Fonte: ANTP

 

 

A necessidade, e até a possibilidade, de ter uma visão do que acontecerá no futuro é uma das peculiaridades do ser humano quando comparado com os demais animais. Tradicionalmente as projeções do futuro são realizadas olhando para o passado e projetando as trajetórias dos caminhos já trilhados por alguns passos à frente. A isso chamamos de tendências e projeções, e a precisão dependerá da regularidade entre o passado e o futuro. Para muitas finalidades este método é suficiente e, pelo menos, permite tranquilidade de espírito enquanto for sendo confirmado. Para situações em que muitas variáveis estão com tendências conflitantes e mudanças súbitas ameaçam, é preciso buscar novas ferramentas.

Quando utilizaram o método clássico, os militares foram surpreendidos a cada nova guerra: estavam muito bem preparados, só que para combater a guerra anterior. Mais bem sucedidos, seus inimigos - como no conhecido caso de Garrincha - não tinham combinado a mesma estratégia e ganhavam utilizando surpreendentes faltas de boas maneiras. Não há exatamente tendências entre uma guerra e outra e sim novas armas que serão utilizadas de novas maneiras.

Como no estudo de 2005 da UITP para a visão mundial do transporte público em 2020, foram desenvolvidos novos métodos, que são às vezes denominados Visionários. Essa denominação não colou muito bem, pois para muitos lembra a simpática senhora da ilustração acima que, mesmo que acerte, tem menos credibilidade do que os sérios estudos realizados pelo método clássico, até quando estão errados. Vai saber!

Gosto de me referir a esses novos instrumentos como o método de Cenários e Ensaios, que novamente se assemelha à teoria mais moderna de defesa. Nesta que reconhece que não podemos nem confiar nem combinar com o futuro, prefere-se desenhar vários possíveis cenários, não necessariamente prováveis, e se fortalecer para todos. O mais importante, além disso, passa a ser observar os indicadores que irão dar aviso prévio sobre qual dos cenários está se aproximando ou já está sobre nós. Na linguagem militar significa inteligência, construção de cenários, manobras e vigilância.

Podemos tomar que, em todos os cenários práticos, os humanos continuarão a precisar ou desejar sair de onde estão para ir para outro local. O que vai mudar é por que irão precisar e como irão desejar. Isso significa que a parte da demanda por meios para se movimentar ainda irá existir por tempo previsível. Quanto às tecnologias que permitem que necessidades ou desejos sejam satisfeitos sem necessidade de se movimentar, elas certamente continuarão a se desenvolver, podendo parecer que reduzirão a demanda. É preciso lembrar que em países de baixa renda como o Brasil, mesmo assim existe muito espaço para o aumento de viagens tão logo se tenha dinheiro para gastar. Mas irão certamente mudar tanto o conteúdo e requisitos da demanda quanto os meios para satisfazê-los.

Como estamos falando dos ônibus, vamos construir um cenário possível para os recursos com os quais se poderá contar nos próximos anos.

A primeira de suas características atuais a desaparecer será o seu combustível fóssil, seguido rapidamente pelo seu motor a explosão. Em poucos anos os novos ônibus passarão alguns por estágios intermediários como híbridos elétricos para depois se tornarem inteiramente elétricos. Se essa mudança for acompanhada de vias com pisos de melhor qualidade e espaços separados no trânsito, significará sua transformação em poderoso concorrente dos VLT, com uma viagem muito confortável e uma pegada amistosa com a cidade.

A segunda característica será o desaparecimento do motorista, começando pelos BRTs e ônibus em faixas exclusivas. Finalmente, com uso de todo o espaço viário reforçarão o aparecimento do atendimento a chamadas com rotas parcial ou totalmente variáveis. Se ao mesmo tempo já estivermos com interiores confortáveis, todos os passageiros viajando sentados, ar condicionado e meios para que seus passageiros se mantenham interligados, então o ônibus se tornará um concorrente poderoso para grande parte das viagens ainda utilizando veículos individuais.

Esses ônibus serão médios ou pequenos, enquanto os maiores ficarão restritos às poucas rotas fixas estruturadoras. Junto com outros ajustes urbanos como calçadas civilizadas, pontos de ônibus adequados, regularidade e rapidez, atrairão, como o metrô, uma variedade maior de classes sociais e passarão a ser vistos como alternativas para todos, podendo se integrar ao próximo e derradeiro passo para sua viabilização, o MaaS, a seguir descrito.

Helsinki está implementando um dos programas mais completos para converter a mobilidade de um mercado de produtos em um mercado de prestação de serviço multimodal. Utilizando seu celular, o viajante receberá sugestões com preços e tempos de viagem para combinações diversas de todos os meios a sua disposição. Isso incluirá ônibus com rota fixa, com rota variável, trem, metrô, bonde, bicicletas de aluguel, taxis, carros privados, carros de aluguel e até barcos. Para cada viagem hverá um preço total a ser debitado pelo celular se a compra for avulsa. Existirão assinaturas mensais, como nos planos de celular, que oferecerão pacotes compostos de diferentes meios por preços accessíveis. Novos negócios de mobilidade poderão aderir ao sistema, tornando o sistema dirigido pelo mercado. Ao poder público caberá a institucionalização dos meios para que o mercado seja saudável, a fiscalização da segurança e a construção e manutenção da infraestrutura necessária tanto ao transporte público quanto ao sistema viário a ser utilizado pelos vários serviços. Além disso, os subsídios e ajudas sociais simplesmente passarão a ser feitos através de assinaturas e seus pacotes sociais. Para mim este é um dos importantes cenários em que o ônibus poderá brilhar, graças à sua inegável flexibilidade e semelhança com os automóveis, sem muitos de seus defeitos causados pelo uso excessivo.

Finalmente, o poder inegável do modelo de mobilidade individual baseado no automóvel nasceu como parte de um movimento mundial cujo enredo criticava as cidades de então, vistas como sujas, pobres, perigosas, com serviços públicos desconfortáveis e das quais as pessoas bem-sucedidas deveriam se afastar, seja pela distância rumo a novos bairros com maior homogeneidade social, seja pela blindagem social proporcionada pelos seus veículos pessoais.

Esse modelo não morreu, mas entrou em crise pelas contradições criadas por ele e pelo alto custo em recursos e espaço que exige para ser distribuído. Uma vez que muitos passam a alcançá-lo, só então é apontado como inviável. Ainda se contorce agora com a esperança dos automóveis autônomos que possibilitarão nova segregação e o alívio de poder “conviver” com as inevitáveis longas viagens em ruas congestionadas e sem ter que se preocupar com o estacionamento.

Cabe agora ao ônibus se antecipar e tecer sua própria explicação macroeconômica a se identificar com a grande saga da conquista de uma mobilidade racional, sustentável, saudável, socialmente inclusiva, viabilizadora de um urbanismo de qualidade, mas alcançável, viabilizando um ambiente de negócios viável e seguro pelo modelo de prestação de serviço.

No próximo capítulo:

Lamentavelmente, aqui, a Saga do ônibus está terminando ou entrando em recesso, pelo menos como material escrito. Na realidade, espero que esteja apenas começando.

Após um intervalo, pretendo voltar com outra saga que vivi intensamente e que para mim precisa ser registrada.

A saga do metrô 

Como nasceu a operação do metrô em SP? Como era diferente de outros transportes e mesmo metrôs? Como foi a conquista dos passageiros? Quais métodos inovadores utilizou?