Artigo: Licitações de ônibus em São Paulo continuam indefinidas. A quem isso interessa?

25/06/2018

Artigo: Licitações de ônibus em São Paulo continuam indefinidas. A quem isso interessa?

Sistemas da SPTrans, EMTU e Artesp já deveriam estar com novos contratos. Universo é de 11,8 milhões de passageiros transportados (nem sempre com qualidade) por dia

Fonte: Diário do Transporte 

 

 

Um jogo de vários lados, motivações, justificativas e interesses: gestores públicos; políticos; empresários de ônibus; fabricantes de chassis, carrocerias e equipamentos; TCE  -Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e TCM – Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

E no meio de uma celeuma de termos jurídicos e balancetes financeiros complicados (muitos dos quais feitos para agradar os clientes que os encomendaram), está “a vida” de 11,8 milhões de passageiros, que por dia usam 22,4 mil ônibus entre municipais da capital paulista, metropolitanos na Grande São Paulo e rodoviários e suburbanos no Estado de São Paulo.

Aliás, eram os interesses desta massa de 11,8 milhões de pessoas (número superior à população de muitos países) que deveriam estar acima de tudo. Mas, na prática, nem sempre é assim.

Estes passageiros usam sistemas de transportes defasados, ineficientes e caros que poderiam estar com novos contratos, e quem sabe, bem melhores, casos as licitações de cada uma das áreas correspondentes já estivessem concluídas.

 

 

As licitações da SPTrans – São Paulo Transporte (capital paulista), EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (Grande São Paulo) e Artesp – Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado já deveriam ter sido realizadas há anos, mas o vai e vem entre representações, processos e bloqueios pelos tribunais de contas impedem a criação de novas estruturas de transportes.

No caso da capital paulista, desde 2013, as empresas operam sob o guarda-chuva de contratos emergenciais (as ex-cooperativas do subsistema local e área 4 do subsistema estrutural) e aditivos contratuais (empresas do subsistema estrutural). Vale destacar que no caso do subsistema estrutural, que reúne as viações com linhas que passam pelo centro e têm ônibus maiores, em julho, acabam os últimos aditamentos possíveis. A partir daí, as viações das linhas estruturais também assinam contratos emergenciais.

No último dia 08 de junho de 2018, o TCM – Tribunal de Contas no Município suspendeu a licitação. Na ocasião, o órgão por meio da assessoria de imprensa, informou que a suspensão foi necessária por haver 90 pontos contestáveis dos editais, sendo 51 irregularidades, 20 improbidades e 19 aspectos que receberam sugestões. Segundo cálculos do TCM, o atraso na licitação de São Paulo, já barrada em 2015 pelo mesmo órgão, tem custado aos bolsos dos paulistanos, R$ 30 bilhões e os contratos emergenciais custam 50% mais do que se as linhas fossem operadas por contratos regulares. Relembre:

https://diariodotransporte.com.br/2018/06/09/licitacao-dos-onibus-sp-tcm/

A SPTrans disse que todos os questionamentos do TCM estão sendo respondidos e aponta para a necessidade da implantação de um novo sistema de São Paulo, o que seria possível somente após a licitação.

Outra novela dramática, a da licitação das linhas metropolitanas da Grande São Paulo gerenciadas pela EMTU, se arrasta desde 2016, quando venceram os contratos assinados em 2006.  A licitação recebeu mais de 100 questionamentos de supostos interessados na concorrência e advogados.

Sobre o sistema da EMTU, pior ainda é a situação da região do ABC Paulista, cujas linhas nunca foram licitadas na história dos transportes de São Paulo. Na licitação de 2006, não houve propostas. Foram seis tentativas, cinco por esvaziamentos dos empresários da região e uma por causa de uma ação judicial, via Justiça de Manaus (isso mesmo, Manaus), onde o empresário do ABC, Baltazar José de Sousa, tem viações que passam por uma das mais longas recuperações judiciais da história dos transportes do Brasil. Em nenhuma destas tentativas de licitações, nenhuma empresa de fora do ABC participou. Talvez porque os editais eram ruins mesmo, com pouca vantagem econômica e previsibilidade, ou também pelo histórico de violência e corrupção envolvendo parte do setor na região. Não saem da mente, o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel; em 2002, que segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo teve motivação política envolvendo corrupção nos transportes; a contestável derrota do Grupo Júlio Simões, de Mogi das Cruzes, numa licitação de Santo André, em 2012; e a mais contestável ainda “expulsão” pela administração do ex-prefeito de Mauá, Donisete Braga, da Viação Leblon da cidade, empresa do Paraná que não integra a lista dos empresários que já há atuam na região há décadas.

O resultado para o passageiro da próspera região do ABC Paulista? Ônibus velhos (a maior idade da frota da Grande São Paulo), veículos que quebram constantemente, linhas desatualizadas e tarifas altas.

O TCE – Tribunal de Contas do Estado de São Paulo suspendeu a licitação da EMTU, em toda a Grande São Paulo, incluindo o ABC, em 25 de novembro de 2017.

Segundo a STM – Secretaria de Transportes Metropolitanos, em resposta à solicitação feita pelo Diário do Transporte, o processo foi retomado, mas sem data para republicação do edital.

 “A Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM) informa que já respondeu todos os questionamentos do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE), que solicitou à pasta retificação de algumas questões do edital. O processo já foi retomado e os ajustes estão sendo providenciados para publicação do novo edital, ainda sem previsão de data.”

A licitação dos ônibus rodoviários intermunicipais e suburbanos do sistema da Artesp se arrasta desde 2015. No dia 8 de março de 2018, a Justiça atendendo a questionamentos de empresas de ônibus e seus defensores suspendeu o certame.

O TCE – Tribunal de Contas do Estado já tinha barrado a primeira tentativa de licitação em agosto de 2016.  O órgão barrou o edital de novo em outubro de 2017.

A divisão do sistema em cinco lotes, proposta pela Artesp, é um dos pontos que mais causaram contestações por parte das empresas de ônibus que temem perder linhas e abrangência com o modelo apresentado pela agência.

A Viação Cometa, uma das maiores operadoras do setor em São Paulo, chegou até a mover ações judicias contra o certame.

Um dos pontos de contestação das empresas é que atualmente, operam em áreas geográficas correspondentes a mais de um lote e a licitação não permite que o mesmo grupo empresarial atue em mais de uma região.

É o caso da Viação Cometa.

Outro grande grupo empresarial que poderia sair prejudicado com o modelo proposto é o Grupo Comporte, de Constantino Oliveira, fundador da Gol Linhas Aéreas. Com empresas como Viação Piracicabana, Manoel Rodrigues, Expresso Itamarati, Viação São Paulo São Pedro Ltda e Viação Luwasa, o grupo empresarial opera em mais de uma área se for levada em conta a divisão da Artesp. Pelo modelo proposto, teria de se desfazer de diversas operações.

Em resumo, como um grupo pode operar apenas um lote, e hoje grandes grupos operam em áreas que abrangem vários lotes ao mesmo tempo, as empresas não querem perder seus mercados.

Ao Diário do Transporte, a Artesp diz que aguarda decisão da Justiça e do TCE para prosseguir a licitação:

A Artesp aguarda decisão do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Tribunal de Justiça para definir nova data da sessão pública da licitação. O TCE não fornece estimativa de prazo.

Questionado pela reportagem sobre as licitações da Artesp e EMTU, o TCE, por meio da assessoria de imprensa, se limitou a passar os links das decisões, sem mais explicações. Isso depois de insistências da reportagem.

Falta de transparência, diálogo difícil com a população e dúvidas por todos os lados.

Essa tem sido a realidade das licitações de serviços de ônibus.

É claro que não dá para deixar editais com falhas passarem e é verdade que a lei 8666/93, a chamada Lei das Licitações, não contribui muito para o quadro melhorar. A lei é defasada e cheia de falhas que podem aumentar a burocracia, o tempo para soluções dos problemas e, de tão prolixa e formal, pode ser pouco transparente e com isso abrir margem para direcionamentos que beneficiam sempre os mesmos grupos com grande poder econômico. E pior, direcionamentos feitos dentro da lei, com o conselho de competentes (nem sempre bem intencionados) advogados especializados em transportes que atuam dos dois lados do balcão. Vírgulas numa lei podem ser interpretadas da maneira que o “cliente” quiser. Uma lei eficiente é, acima de tudo, cirúrgica, enxuta sem ser superficial, e precisa.

Mas as possíveis imprecisões da 8666/93 também acabam sendo pretextos para deixar que as licitações sejam “eternas”, sem solução.  Sem a lei, a situação da imoralidade das contratações públicas seria ainda pior. E, não por coincidência, sempre que se tenta aperfeiçoá-la, os legisladores e os agentes econômicos recuam no debate.

Enquanto licitações não são realizadas, quem está fica: operando mal e ganhando bem, em grande parte das vezes (sem cometer a injustiça de generalizar). As tarifas, passagens e subsídios aumentam, mas, em contratos emergenciais, com menos investimentos.

Será que não é possível mesmo destravar as licitações dos transportes? Será que todos os técnicos do poder público, das empresas de ônibus e tribunais de contas são tão incompetentes assim ao ponto de não conseguirem soluções por anos?

Será que se não houvesse ninguém que lucrasse com essas procrastinações, o quadro ainda estaria assim?