Evento em São Paulo debateu matriz e infraestrutura da Mobilidade Urbana
16/04/2018
Evento em São Paulo debateu matriz e infraestrutura da Mobilidade Urbana
Sessão destacou a obrigatoriedade de se repensar a cidade diante da necessidade de se oferecer a todos os seus moradores uma qualidade de vida digna, assentada numa mobilidade sustentável
Fonte: Diário de Transporte.
Num debate que reuniu especialistas e empresários, além de autoridades públicas, o tema mobilidade urbana foi mais uma vez o centro das discussões.
Organizado pela ANTP – Associação Nacional dos Transportes Públicos em parceria com outras entidades, como o Sindicato dos Engenheiros no Estado de SP, o seminário “Mobilidade e Solo Urbano”, realizado nesta sexta-feira, dia 13 de abril, ocupou o dia todo com 3 sessões especiais, cujos temas foram: “Mobilidade e uso e ocupação do solo urbano”; “Matriz e infraestrutura da mobilidade urbana”; e “A mobilidade como construção da cidadania”.
Sob a moderação de Alexandre Pelegi, da ANTP e do Diário do Transporte, o segundo Painel, “Matriz e infraestrutura da mobilidade urbana”, reuniu os seguintes expositores:
Hannah Arcuschin Machado – arquiteta e urbanista, Instituto de Arquitetos do Brasil;
Cristina Baddini – Professora de Transportes. Coordenadora da Engenharia Civil da UNIFAP – Universidade Federal do Amapá;
Francisco Christovam – Presidente do SPURBANUSS – Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo;
Ivan Metran Whately – Engenheiro especializado em planejamento de transporte e Diretor do Departamento de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia; e
Heloisa Helena de Mello Martins – representando a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte; Gerente de Segurança no Tráfego – GST.
Como ponto de consenso dos debates, vale destacar a necessária prioridade para a circulação dos ônibus nas cidades em consonância com uma nova maneira de estimular os modos a pé e as bicicletas. Isso passa, necessariamente, por uma nova forma de se enxergar a cidade, devolvendo-a, de fato, para quem mais a utiliza, criando formas de desestímulo ao uso desenfreado do automóvel.
A arquiteta Hannah Machado chamou a atenção para como o ambiente construído impacta na mobilidade das pessoas, e apresentou exemplos de desenho urbano que valorizam o transporte sustentável.
Hannah lembrou o Plano Diretor de São Paulo, que tem como base o desenvolvimento orientado pelo transporte. Lembrando que é necessário a integração das políticas públicas para melhorar a qualidade das intervenções urbanas, Hannah ressaltou os impactos da revisão do zoneamento da cidade de São Paulo na mobilidade urbana.
A engenheira Cristina Baddini foi na mesma direção, realçando o papel das cidades como espaços para a construção da cidadania e para o convívio harmonioso entre as pessoas.
“Em 2050, teremos 7 bilhões de pessoas vivendo em cidades. Teremos infraestrutura urbana suficiente? No Brasil, em 2050 provavelmente teremos 2 bilhões de pessoas vivendo em cidades com mais de 60 anos. Se olharmos nossas ruas, veremos que não pensamos a cidade para pessoas mais velhas. Pensamos nos jovens? Também não. A cidade foi desenhada para pessoas que trabalham. Questões como envelhecer e ter saúde serão mais críticas. Este é o pensamento de Mark Wigley, um dos principais pensadores do futuro das cidades e segundo ele, vamos ter que criar uma solução para a vida saudável”, afirmou Baddini.
Baddini ressaltou que o transporte coletivo pode transformar as cidades. “Não se trata de descartar o automóvel, que todos – ou quase todos – utilizam em algum momento, mas de definir o lugar justo para os veículos, favorecendo a emergência de espaços públicos de qualidade e o desenvolvimento de modos de deslocamento saudáveis, como a caminhada e a bicicleta, de espaços de reencontro e de convivência. Não há nenhuma razão para que a lógica rodoviária prevaleça nas cidades: a rua não é uma estrada!”.
Ivan Whately, diretor do Instituto de Engenharia, usou dados da pesquisa Origem/Destino do Metrô para apontar o crescimento do Transporte Individual na cidade de São Paulo. Ivan mostrou um fenômeno preocupante: segundo os dados apresentados as pessoas mais pobres passaram a usar mais o transporte individual, em contraste com as pessoas de mais renda, cujo percentual apontou uma maior migração para meios de transporte coletivo.
Dando ênfase na operação do trânsito, Ivan afirmou que a infraestrutura precisa ser adequada, com a operação priorizando os modos de transporte público.
Apresentando os dados recentes do Relatório anual de acidentes da CET, Heloisa Helena de Mello Martins, gerente de Segurança no Tráfego da Companhia lembrou: “Em que pese a boa noticia de redução do número de mortes, é importante ressaltar que esta redução ocorreu principalmente junto aos usuários motoristas e passageiros de veículos, sendo relativamente pequena para pedestres e motociclistas e, infelizmente, ocorreu aumento do número de ciclistas mortos”.
A partir das estatísticas apresentadas em série histórica, Heloísa enfatizou: “A evolução dos dados demonstra que a segurança viária deve estar focada na redução dos atropelamentos e das mortes entre pedestres, ao mesmo tempo em que precisa encontrar o caminho para a redução de acidentes e mortes entre motociclistas e ciclistas”.
Francisco Christovam, presidente do SPURBANUSS, citou o “desencantamento com a forma como os serviços públicos vêm sendo tratados, com a desorganização institucional que temos nas grandes aglomerações urbanas, com o modelo decisório adotado pelos nossos governantes e, também, com os resultados alcançados com a adoção de projetos desestruturados e desarticulados”.
Ivan Whately lembrou o impacto na desorganização do sistema de transportes causado pela inexistência de uma autoridade metropolitana dos transportes. “Está em andamento uma licitação da rede de ônibus do município de São Paulo, a qual transporta mais passageiros por dia que a rede sobre trilhos, sem estudos de integração entre as redes metropolitanas e a interface entre os níveis administrativos atuantes na região”.
Francisco foi enfático ao dizer que “discutir mobilidade e uso do solo, infraestrutura da mobilidade urbana e mobilidade e cidadania sem imaginar, preliminarmente, de que cidade estamos falando e qual a cidade que queremos, não faz o menor sentido. Claro, o debate desses temas é e sempre será importante do ponto de vista da troca de experiências e de conhecimentos; mas a população dos grandes centros urbanos não está mais disposta a ouvir discussões acadêmicas e esperar por soluções futuras de problemas presentes. Mobilidade é assunto sério e exige uma abordagem diferente da forma como os serviços públicos, em especial os transportes urbanos, vêm sendo tratados no Brasil, ao longo do tempo”.
Mostrando uma dicotomia histórica entre planos e ação, ideias e realizações, Francisco lembrou que, até hoje, “os urbanistas propõem planos que não saem do papel, os políticos aprovam leis sem uma visão integrada dos serviços públicos e os governantes decidem realizar apenas os projetos que cabem nos orçamentos e nos períodos dos seus respectivos mandatos. Com isso, o cidadão acaba pagando um alto preço pela falta de integração das políticas públicas, bem como pela ineficiência e ineficácia dos programas e dos projetos que, teoricamente, deveriam melhorar a qualidade dos serviços essenciais à vida nas cidades. Em resumo, a falta de planejamento e de pensamento estratégicos compromete a própria organização da sociedade”.
E concluiu: “a qualidade dos serviços de transportes urbanos depende, fundamentalmente, de uma rede bem estudada e estruturada, do tipo de tecnologia veicular adotada, da qualificação e capacitação dos condutores, do sistema de controle e monitoramento da frota e do sistema de informação e comunicação com os clientes. Mas, tudo isso deixa de ser relevante se a infraestrutura disponível – vias, calçadas, terminais, abrigos, pontos de parada – não for adequada e compatível com o nível de serviço especificado pelo Poder Concedente e desejado pelos passageiros”.
Francisco foi secundado por Cristina Baddini, que afirmou que “todo administrador deve investir em transporte público. Pelo menos são necessários 15 anos com investimentos da ordem de 2 a 3 bilhões de reais anuais e mudanças profundas nos municípios com políticas de disciplinamento do uso dos automóveis para reverter essa política da mobilidade da exclusão. A solução está na combinação incentivo ao transporte público integrado – com melhorias na qualidade do serviço, infraestrutura e segurança para o crescimento de outras modalidades como a bicicleta e a caminhada e a restrição ao uso do transporte individual”.
A arquiteta Hannah Arcuschim Machado reforçou a importância do pedestre, ao lembrar que hoje um terço dos deslocamentos na cidade de São Paulo é feito exclusivamente a pé. “Este número não considera os pequenos deslocamentos até o ponto de ônibus ou estação de metrô. Se isso for levado em conta, mais de dois terços dos deslocamentos em São Paulo são feitos integral ou parcialmente à pé. No entanto, há um grande potencial para que o número de pessoas caminhando aumente ainda mais”, afirmou.
A partir de dados da pesquisa OD do Metrô (2007), Hannah lembrou que as viagens de carro para trajetos menores do que 2,5 km representam 40% dos deslocamentos deste modo. “Esta distância pode ser feita, com conforto, em não mais que 40 minutos a pé ou 15 minutos de bicicleta. A criação de estruturas mais acolhedoras aos pedestres e ciclistas, bem como a promoção de políticas de desincentivo ao uso do automóvel, têm um papel central no alcance dessa migração de modos de deslocamento”.
Hannah completou: “Cada vez mais as pessoas começam a perceber que o padrão de deslocamento baseado nas viagens individuais motorizadas é insustentável. No entanto, o paradigma atual ainda prioriza o veículo individual e o convencimento ainda é necessário: por exemplo, a crença de que tirar espaço dos carros vai fazer a cidade parar não se sustenta na realidade. Em que tipo de rua transitam mais pessoas? Em uma rua com calçadas confortáveis e arborizadas, ciclovia, faixa exclusiva de ônibus e apenas uma faixa de carros? Ou em uma rua com três faixas para veículos e calçadas mais estreitas?”.
Ivan Whately lembrou o impacto negativo causado pelo automóvel para o meio ambiente das cidades.
“Uma rua pensada para todos os usuários tem mais que o dobro da capacidade de uma rua voltada prioritariamente para os carros”, afirmou Hannah. “Por esse motivo é que não podemos presumir que uma rua destinada exclusiva ou prioritariamente aos carros é a maneira mais eficiente promover os deslocamentos urbanos. É preciso questionar, medir e adotar medidas baseadas em evidência para realizar as mudanças necessárias no desenho urbano, rumo a uma cidade mais segura e inclusiva”.
Francisco Christovam juntou a prioridade aos ônibus nas vias à necessária melhoria das cidades, ao dizer que a “qualidade dos serviços de transportes urbanos depende, fundamentalmente, de uma rede bem estudada e estruturada, do tipo de tecnologia veicular adotada, da qualificação e capacitação dos condutores, do sistema de controle e monitoramento da frota e do sistema de informação e comunicação com os clientes. Mas, tudo isso deixa de ser relevante se a infraestrutura disponível – vias, calçadas, terminais, abrigos, pontos de parada – não for adequada e compatível com o nível de serviço especificado pelo Poder Concedente e desejado pelos passageiros”.