Nova Política Nacional de Transportes determina vias adequadas para transporte público e ações integradas entre gestores

16/04/2018

Nova Política Nacional de Transportes determina vias adequadas para transporte público e ações integradas entre gestores

Atualmente, uma mesma região é atendida por serviços gerenciados por diversos órgãos que não se conversam

Fonte: Diário do Transporte 

 

 

O exemplo não poderia ser melhor (ou pior). O Estado de São Paulo está neste momento com três grandes licitações de transportes de passageiros por ônibus: da Capital Paulista, que deve ter os editais publicados em 16 de abril conforme informou em primeira mão o Diário do Transporte (https://diariodotransporte.com.br/2018/04/07/confirmados-editais-da-licitacao-dos-onibus-em-sao-paulo-para-16-de-abril-propostas-entregues-entre-11-e-13-de-junho/) ; da EMTU na Grande São Paulo, barrada pelo TCE – Tribunal de Contas do Estado de São Paulo; e da Artesp, dos ônibus rodoviários intermunicipais e suburbanos, barrada pela Justiça.

Apesar dos problemas administrativos e jurídicos de cada concorrência, as licitações estão com os prazos de elaboração alinhados e, mesmo com serviços que sobrepõem e complementam, não houve comunicação institucional e efetiva entre os três órgãos responsáveis por cada sistema: SPTrans (capital paulista), EMTU (Grande São Paulo) e Artesp (cujas algumas linhas suburbanas poderiam “conversar” melhor com algumas linhas metropolitanas nos extremos da Grande São Paulo).

Isso contraria a nova Política Nacional de Transportes, que, de forma discreta, foi publicada por meio da portaria número 235, do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, de 28 de março de 2018.

A integração entre diversos órgãos responsáveis pelos transportes é uma das premissas da nova política, segundo a portaria:

“promover e aperfeiçoar a integração e articulação entre os órgãos do Setor de Transportes, bem como entre estes e outros órgãos afins, a partir da visão sistêmica, coordenação e sinergia entre as ações;”

Além de linhas se sobrepondo, uma atrapalhando a outra nas vias, sendo que poderiam ser integradas, essa falta de uma gestão em conjunto entre diversos órgãos levam a situações que aos olhos do mundo deixam os transportes no Brasil a uma condição de ridículos. Não há bilhetagem eletrônica unificada em várias regiões metropolitanas. Para andar menos de 15 quilômetros, entre o ABC Paulista e a capital, por exemplo, o passageiro deve ter entre dois e quatro bilhetes e cartões. Às vezes o empresário da linha municipal é o mesmo da linha intermunicipal.

Numa visita técnica realizado no mês passado em uma cooperação internacional entre o Consórcio Intermunicipal ABC e a gestora de transportes de Turin, esta situação ridícula chamou a atenção dos italianos, que já resolveram esta pendenga para o cidadão há mais de dez anos.

Relembre:

https://diariodotransporte.com.br/2018/02/27/delegacao-internacional-gosta-de-onibus-eletrico-mas-critica-falta-de-integracao-nos-transportes-metropolitanos-da-grande-sao-paulo/

A Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 3 de janeiro de 2012, e o Estatuto da Metrópole, de 12 de janeiro de 2015, já estipulavam isso. Assim, desculpa de falta de marco legal, SPTrans, EMTU e Artesp (e tantas outras gerenciadoras país afora) não podem ter.
Mas além de reforçar essa necessidade de gestões integradas, a nova Política Nacional de Transportes pretende também fazer com que as decisões para a locomoção de cargas e passageiros sejam tomadas em conjunto.

Não há mais como pensar no VUC – Veículo Urbano de Carga sem levar em conta os impactos que terá sobre as linhas de ônibus. Nem dá mais para desconsiderar a demanda maior de passageiros em ônibus rodoviários em feriados prolongados e temporadas e os impactos do transporte de cargas nas estradas pelas carretas.

Além disso, todos falam, e com razão em sistemas tronco-alimentados entre trilhos e pneus nos transportes urbanos e metropolitanos de passageiros.

Mas por que não fazer isso também com o transporte de cargas? Há uma grande subutilização da malha ferroviária do País. Por que os caminhões não “alimentam” mais os trens de cargas? Não tiraria emprego de caminhoneiros, que conseguiriam fazer mais viagens curtas, mas reduzira os altos custos de logística que encarecem o preço desde o pãozinho e o remédio até a peça do jatinho particular e o mais moderno celular. Isso sem contar na redução de acidentes graves nas estradas, que têm majoritariamente a participação de carretas e caminhões.

A Política Nacional de Transportes prevê também que estados, municípios e Distrito Federal criem programas de capacitação e incentivo na carreira, inclusive para os funcionários públicos de gestão de mobilidade.

– valorizar e qualificar os recursos humanos das instituições governamentais do Setor de Transportes, por meio do desenvolvimento de competências estratégicas, da atração e retenção de talentos, e da criação de ambiente motivacional propício. – incentivar o intercâmbio de conhecimentos e experiências com instituições nacionais e internacionais, para o aperfeiçoamento das práticas setoriais;

A retenção de talentos na gestão pública de transportes hoje é uma das grandes lacunas de eficiência no acompanhamento e decisões na mobilidade de cargas e pessoas.

Primeiro porque a burocracia típica de poder público trava boas ideias. Depois, porque se o funcionário é muito bom, recebe propostas da iniciativa privada (o que faz parte do jogo), mas o problema é que do outro lado, não tem estímulo nenhum para ficar no serviço público.

E o que resta nas gerenciadoras públicas (não generalizando, para não cometer injustiças)? Funcionários pouco inovadores, nada estimulados e que estão no serviço público só por causa da estabilidade de emprego – Não é maioria, é verdade, mas é o típico perfil profissional que já perdeu a vez na iniciativa privada.

Outro aspecto abordado pela nova legislação é que os serviços de transportes, de passageiros e cargas, devem ter condições viárias para serem prestados.

“ofertar um sistema viário integrado, eficiente e seguro, com vistas ao aperfeiçoamento da mobilidade de pessoas e bens, à redução dos custos logísticos e ao aumento da competitividade”

Parece óbvio, mas isso não acontece no Brasil.

Desde os locais menos urbanizados, onde comida apodrece e animais morrem de maneira deplorável em caminhões atolados no barro das estradas ou nas cidades, onde os ônibus quebram e são de qualidade mínima por causa da má condição de ruas e avenidas.

Onde já se viu uma cidade que transporta por dia em 14,5 mil ônibus mais de 6 milhões de passageiros por dia só com 128,7 km de corredores? Onde? São Paulo – Brasil, que tem um estudo de 2012, encomendado pela prefeitura, que mostra que a cidade precisaria de ao menos 600 km para os transportes sobre pneus na cidade não serem tão caros e ineficientes como hoje. Ineficientes do ponto de vista de financiamento e elo que o passageiro merece.
Mas, convenhamos, para uma cidade tão grande, que precisa de muito mais metrô, apesar de todos os problemas e insuficiências, o sistema de ônibus na capital paulista até que se vira bem – precisa melhorar.

Outro ponto da nova política é integrar mercado e poder público nas decisões e ações, de forma transparente.

promover a participação intra e interinstitucional, considerando sociedade, governo e mercado, no desenvolvimento de uma política de transporte integrada;

Poder público e transportadoras não devem fazer acordões, nem ter relações espúrias. Mas não podem ser inimigos.

Uma gestão de transportes não pode ser baseada na propina, mas também não pode ser baseada na multa e na canetada.

Mercado e poder público podem e devem agir em conjunto, com fiscalização e participação da sociedade, como diz a nova política.

A visão entre instituições e setores diferentes é outro aspecto a ser considerado na nova política.

estimular a articulação interinstitucional para o aprimoramento do planejamento e avaliação das ações setoriais voltadas ao desenvolvimento socioeconômico e regional;

Isso falta muito também. Em algumas cidades, por exemplo, o setor de trânsito nem sempre conversa como deveria com a gestora dos transportes públicos. Veja só. Não se está falando de setores tão distantes assim institucionalmente.

Não foi só uma ou duas vezes que, em algumas cidades, o “trânsito” mudou a mão de direção de uma via, e o “transporte” só descobriu isso com o ônibus na rua, tendo de fazer “apertadas manobras”.

Os setores diferentes também devem se conversar. A mobilidade é algo pertinente a todos, não só às secretarias de transportes, empresas de ônibus, metrô, trens e transportadoras de cargas.

O setor imobiliário tem tudo a ver com transportes. A oferta de moradias não pode ser incompatível com a oferta de transportes e uma deve impulsionar a outra.

As empresas de diversos ramos também ajudariam se, em parceria com os gestores públicos e sindicatos patronais e de trabalhadores, flexibilizassem os horários de entrada e saída das pessoas e, quando, possível adotar, mesmo que parcialmente, o home office.

Se todo mundo entrar e sair no mesmo horário e ir para os mesmos lugares e voltarem para os mesmos lugares todos os dias ao mesmo tempo, não vai ter carro, ônibus, metrô e trem que vão dar conta.

Exemplo é a ligação Leste e Centro da cidade de São Paulo. Há trechos em que a linha 3 Vermelha do Metrô (a mais lotada do mundo), as linhas 11 Coral e 12 Safira da CPTM, diversas linhas de ônibus andam juntas, há também um projeto de BRT – Bus Rapid Transit para a ligação, a Radial Leste é uma via ampla e, mesmo assim, tudo isso junto não é suficiente.

Há outros pontos positivos da portaria, que traz as diretrizes gerais para as ações pontuais, sempre respeitando as características regionais de cada sistema.

“considerar as particularidades e potencialidades regionais nos planejamentos setoriais de transportes;”

Basta tudo isso agora sair do papel.