Os desafios da transição energética na mobilidade urbana por ônibus e impactos macroeconômicos no Brasil

07/06/2021

Fonte: Administradores

É inquestionável que a mobilidade urbana elétrica tenha impactos positivos ambientais, econômicos e de saúde, bem como que as energias renováveis serão o futuro com papel preponderante sobre as transformações das cidades cada vez mais inteligentes e conectadas, mas a principal questão está em compreender o quanto o Brasil, onde o transporte público urbano de passageiros é responsável por transportar 8,3 milhões de pessoas diariamente, está preparado para as transformações necessárias que definirão as estratégias e viabilizarão estas mudanças no tempo e da maneira adequada, começando por um alinhamento de interesses públicos (órgãos regulamentadores e governo) e privados (operadores regulamentados), considerando as particularidades e desafios do nosso país, buscando uma transição energética justa, economicamente viável, eficiente e ambientalmente amigável.

Incentivadas por projetos nacionais como o Rota 2030, o qual tem por objetivo realizar transformações na indústria automotiva, definindo pré-requisitos na fabricação dos veículos automotores quanto ao controle da emissão de gases e segurança, bem como acordos globais como o de Paris, assinado em dezembro de 2015, que estabelece políticas de controle para as emissões de gases do efeito estufa (GEE), reunindo 187 países, que juntos são responsáveis por 97% das emissões globais e deve impactar os mais diversos setores no mundo, conseguimos ver a movimentação desenfreada das montadoras automotivas tradicionais no desenvolvimento de motores elétricos e tecnologias, dando sinais de que o segmento automotivo está diante de uma de suas maiores incertezas e transformações.

Tabelo 1 – Importância do Industria Automobilística no Cenário Econômico Brasileiro

O sistema de transporte público de passageiros se constitui como foco criador de valor, emprego e renda apoiando diretamente a produção, levando os trabalhadores aos postos de trabalho, os consumidores à demanda e os estudantes às escolas, que formam trabalhadores e cidadãos sensíveis aos apelos de uma economia de mercado, gerando uma renda da ordem de 54,2 bilhões de reais no ano de 2018 e sendo responsável por 645.922 postos de trabalho em 2019.

Apesar da evidenciada importância do setor, há algum tempo, mesmo antes da pandemia da Covid-19, vem ocorrendo redução de passageiros transportados por ônibus. A crise de saúde está apenas agravando o cenário, pesquisas mostram que a queda no número de passageiros dos ônibus urbanos, devido as medidas de isolamento social é, em média, de 40%, apontando para um potencial colapso estrutural e financeiro nas empresas de ônibus. A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) destaca que o transporte público coletivo urbano por ônibus, nas principais capitais brasileiras, perdeu aproximadamente 27% dos passageiros pagantes, entre 2013 e 2019, o que significa uma média de 103,5 milhões de passageiros a menos por mês, antes mesmo do isolamento social imposto pela pandemia.

Diante desse cenário vale destacar que o investimento inicial superior do ônibus elétrico que utiliza bateria, incerteza quanto ao mercado de revenda de usados e infraestrutura de recarga constitui um dos principais desafios para a adoção dessa alternativa em substituição ao ônibus convencional, movido a diesel. De maneira que para uma efetiva transição energética do segmento se faz necessário mudanças nas regras para a concessão do serviço de transporte público urbano coletivo, análises de projeto que contemplem custos operacionais ao longo da vida útil do veículo, novas opções de fontes de financiamento para viabilizar tecnologias alternativas e parcerias entre operadoras de ônibus e empresas de geração e distribuição de energia.

Apesar de experiências positivas em países ao redor do mundo e novas tecnologias surgindo a cada dia que prometem viabilizar a implantação de sistemas de transporte público urbano de passageiros com ônibus elétricos, não podemos desconsiderar barreiras e prioridades de investimentos necessários em um país em desenvolvimento como o Brasil, bem como potenciais impactos que poderão surgir como consequência de ações não planejadas adequadamente sobre o sistema nacional de transporte urbano de passageiros atualmente com frota operante de 98.975 ônibus e responsável por 45% das viagens da população nas grandes capitais nos deslocamentos diários para trabalho, educação e lazer.

Questões mercadológicas como capacidade produtiva e desenvolvimento de fornecedores, distribuição energética e infra estrutura, custos de aquisição, mão de obra especializada para manutenção técnica, retorno do capital investido, segurança jurídica contratual de operação e ambiente político; sociais relacionados a um potencial desemprego em escala, com dimensão ainda não calculada, por conta de uma redução da cadeia logística e de fornecedores, bem como eficiência do serviço envolvendo os ganhos efetivos para o usuário final quanto ao valor da passagem, conforto e segurança nos faz refletir quanto as priorizações necessárias, riscos e potenciais resultados que a migração energética pode ter em um país e que a mobilidade urbana tem papel preponderante no crescimento e desenvolvimento social da população.

O conceito de transição energética na mobilidade urbana, mais especificamente no transporte urbano de passageiros por ônibus, é muito mais amplo que a substituição da tecnologia de combustível fóssil pela energia renovável, está acontecendo no mundo todo e sem dúvidas tem impactos no Brasil, é totalmente aceitável considerar que a transição energética é o resultado da integração dos benefícios da era da informação no universo da eletrificação e a introdução de novas tecnologias que auxiliam na captação e geração de energia solar, através de baterias cada vez mais eficientes, com maior capacidade de armazenamento e custos acessíveis.

Neste cenário os países estão se posicionando e as estratégias acontecendo, alguns como fornecedores de equipamentos para o mundo, outros como fornecedores de tecnologias e muitos como consumidores de equipamentos e tecnologias. No caso do Brasil não podemos tratar de estratégia de longo e médio prazo sem considerar alguns dos principais problemas que enfrentamos:

• Somos o 7o país mais socialmente desigual do mundo;

• Vivemos um desemprego na ordem de 14,6%;

• Estamos passando por processo de desindustrialização, iniciado antes mesmo da pandemia, onde o PIB da indústria foi 11% em 2019, o menor índice desde 1947;

• Temos um conceito de transporte público de passageiros, na maioria da cidades, viabilizado e custeado pelo usuário final;

• Os contratos e licitações por vezes possuem grande fragilidade jurídica, inviabilizando investimentos e créditos adicionais ao sistema;

• Com a pandemia do COVID-19 o número de passageiros reduziu em média 40%, agravando a situação das empresas que já sentiam a queda de passageiros nos últimos anos, aproximadamente 27% entre os anos de 2013 e 2019;

Não cabe apenas definir que teremos uma matriz energética mais limpa e ignorar essas realidades, devemos usar essa transição como ferramenta para endereçar tais problemas, com uma estratégia muito particular as nossas realidades, onde possamos construir uma relação com outros países utilizando narrativas próprias, que se não bem definidas poderão acabar sendo engolidas por experiências e interesses divergentes, de forma a perdermos a oportunidade de transformar nosso potencial de recursos em prol do desenvolvimento da economia nacional e da sociedade local.

Em meio a esse contexto existem as montadoras tradicionais, de maioria multinacionais, e toda uma cadeia produtiva que sustenta e atendem as necessidades atuais do mercado nacional de chassis de ônibus com tecnologia de energia fóssil, que se veem inseridos em um momento desafiador de crise mundial do setor, acelerado pela pandemia do COVID-19, onde acompanham de perto a maturidade e rápida evolução das tecnologias de energia elétrica nos ônibus, comprovadas em capitais ao redor do mundo, mostrando uma evolução rápida quanto a eficiência, performance ambiental, segurança, custo, confiabilidade, etc... exigindo ações rápidas, investimentos diversos e estratégias que buscam preparar o setor para uma inevitável migração energética mundial, sem perder o foco no potencial que o mercado de tecnologia fóssil ainda tem, considerando os desafios a serem superados para uma migração energética sustentável.

Precisamos nos unir como sociedade para através de uma abordagem realista do ambiente que estamos inseridos, possíveis impactos sociais e potenciais oportunidades consigamos conduzir o inevitável e necessário processo de migração da matriz energética de combustíveis fosseis para renováveis no transporte público de passageiros em uma ferramenta de transformação, para melhor, do serviço prestado a sociedade e ao crescimento econômico sustentável do pais.

AUTOR – Jefferson da Costa Silva é aluno do Mestrado Profissional em Gestão de Negócios pela FIA – Fundação Instituto de Administração, licenciado em Tecnologia da Informação com MBA em Marketing e Negócios Automotivos pela FGV – Fundação Getúlio Vargas e Gerente de Vendas Ônibus em multinacional do segmento.

CO-AUTOR – Rodolfo Leandro de Faria Olivo é PhD em administração pela USP e professor de mestrado profissional da FIA – Fundação Instituto de Administração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANFAVEA. Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores

ACEA. European Automobile Manufacturers Association. The automobile industry

pocket guide 2019 / 2020

BNDES. “Veículos elétricos: aspectos básicos, perspectivas e oportunidades”

Cornelius Herzog. Strategic Tools in Dynamic Environments: A Framework

Gill Ringland. Scenario Planning: Managing for the Future

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ITDP. Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento

IEA. International Energy Agency. Electric car stock by region and technology

NTU. Os grandes números da mobilidade urbana. Cenário Nacional 2020

NTU. Impactos da COVID-19 no transporte público por ônibus. Boletim NTU, 01/2021

Pnud. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Richard Weller. Boomtown 2050: Scenarios for a Rapidly Growing City

UITP. Union Internationale des Transports Publics

WRI. World Resources Institute. Barriers To Adopting Electric Buses, 2019

WRI. Costs and Emissions Appraisal Tool for Transit Buses, 2019