Quem manda na bagunça metropolitana?

25/06/2018

Quem manda na bagunça metropolitana?

Diferença de regras é sinal de que falta um comando centralizado nos transportes públicos de SP

Fonte: Folha de São Paulo - Leão Serva 

 

 

Muitos leitores se disseram surpresos com a diferença das regras para entrada e saída dos trens nas linhas 2-Verde e 4-Amarela do Metrô, mencionada na coluna da semana passada, sobre a esquina entre Consolação e Paulista, coração mais quente da São Paulo atual.

Alguns comentaram até que, embora usuários regulares das duas linhas, nunca tinham se dado conta de que as recomendações às portas dos trens são invertidas: na linha Verde, deve-se ficar de frente para a porta e deixar a quem sai do vagão uma passagem pelos lados; na linha Amarela, deve-se esperar nas laterais e deixar o centro para os passageiros que descem.

De fato, a maioria das pessoas se comporta educadamente ao sair e entrar dos vagões, mas de forma intuitiva. E tudo bem. Se o sistema funciona e as pessoas se respeitam, não importa tanto como o usuário entra ou sai da conexão.

Embora benigna, essa diferença de regras é um dos muitos sinais de que falta um comando centralizado nos transportes públicos da maior metrópole da América Latina, carecemos do que os técnicos chamam de Autoridade Metropolitana de Transportes, como as de Londres e Paris, Hong-Kong e Tóquio. Há muitas outras incongruências que deveriam ser sanadas por um órgão que regulasse a função em toda a Grande São Paulo. Cito alguns:

  1. O modal de transporte mais bem avaliado da cidade é o Expresso Tiradentes (apelidado “Fura Fila”), corredor expresso de ônibus inaugurado em 2007, na gestão Serra-Kassab, que liga o Parque D. Pedro, no Centro, ao Sacomã. Ele se conecta às linhas 3-Vermelha e 2-Verde do Metrô. Mas se você o procurar no mapa das linhas de transportes coletivos nos trens metropolitanos, não encontrará, apesar de haver referência a outros corredores. Por quê? Porque um modal é da prefeitura e os outros, do governo do estado. E eles não conversam.
     
  2. A linha 4-Amarela, do Metrô, primeira operada pela iniciativa privada, foi inaugurada em 2010, ligando a Luz ao Butantã. Em cima de todo o seu traçado há um corredor de ônibus redundante. Ele deveria ter mudado a natureza de seus veículos (menores) e suas estações, para que as linhas fossem alimentadoras do Metrô e não concorrentes, como são. Mas isso não aconteceu. Por que? Porque um modal reponde à prefeitura e o outro, ao governo estadual. E eles não conversam.
     
  3. A imprensa não-especializada insiste em publicar que São Paulo só tem cerca de 90 km de metrô, deixando de somar os 273 km de trens metropolitanos. Para quem não anda de transporte público isso parece ser uma questão importante, mas para o usuário é irrelevante a diferença entre um trilho subterrâneo e outro na superfície, se ambos são transporte de alta capacidade. Uma das linhas da CPTM, por exemplo, tem os trens mais modernos em circulação na capital. Então, qual a origem dessa confusão? O fato de que uns trilhos são operados pela Companhia do Metrô e outros pela CPTM.
     
  4. A EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) opera ônibus intermunicipais. Ela deveria levar seus passageiros até as entradas de São Paulo, terminais de ônibus, trens e metrô afastados da área central. Mas muitas de suas linhas competem com as municipais em vias paulistanas. Tem linhas que saem do centro de SP e percorrem longas rotas dentro da cidade. Há até mesmo algumas que congestionam ruas estreitas de bairros residenciais, como a Vila Madalena. Os ônibus da EMTU entram na cidade, em vez de se limitarem aos terminais iniciais dos modais paulistanos, porque são subordinados ao governo do estado e não à autoridade municipal, a SPTrans. E eles não conversam.
     
  5. Neste momento estão em licitação as linhas de ônibus municipais de São Paulo e as da EMTU. Em verdade, as duas concorrências estão paradas nos Tribunais de Contas (do Estado e do Município). Seria a oportunidade perfeita de criar rotas integradas e compartilhar sistemas tarifários. São Paulo tem linhas longas, como as que unem o Centro e a Zona Leste, mais baratas do que as que ligam outras cidades à capital; o lógico seria haver tarifas metropolitanas. Mas isso não acontece, em  prejuízo aos cofres do estado, do município e dos cidadãos porque um sistema responde à prefeitura e o outro, ao estado. E eles não conversam.
     

Esses problemas, além de inúmeros outros, poderiam ser sanados com o estabelecimento de um órgão comum para as políticas regionais de transportes. Mas a ideia passa longe dos interesses dos políticos que atuam nas diversas cidades da região metropolitana, porque limitaria o poder de cada um em seu quadrado. Também não interessa aos empresários de ônibus da região metropolitana, que provavelmente teriam suas tarifas reduzidas (a capital tem os menores preços).

A importância de estabelecer logo essa câmara comum fez o Instituto de Engenharia de São Paulo decidir fazer um esforço para pôr a Autoridade Metropolitana de Transportes na agenda paulista. A ideia é usar a influência da entidade em questões relacionadas a infraestrutura e transportes para mostrar que um órgão comum pode ser uma solução para a mobilidade das pessoas mesmo sendo um problema para a movimentação dos políticos.

Quem sabe ouvindo os especialistas, a opinião pública acorde e os administradores públicos se dobrem à ideia. Já está tarde.