Uber Juntos tira passageiros do transporte coletivo de São Paulo, diz pesquisa da USP

17/07/2019

Uber Juntos tira passageiros do transporte coletivo de São Paulo, diz pesquisa da USP

Segundo dados do levantamento feito em parceria com a Quest Inteligência, seis a cada dez usuários da modalidade compartilhada do aplicativo vieram do transporte público e quase todos se tornaram passageiros frequentes. Uber diz que desconhece metodologia da pesquisa, mas afirma que a modalidade complementa o transporte público

Fonte: Diário do Transporte 

Carros de aplicativo por compartilhamento: obstáculos ou complementares ao transporte público coletivo? Viações e empresas de app com visões diferentes. Foto: Adamo Bazani (Diário do Transporte) 


ADAMO BAZANI

Modalidades de aplicativos de transporte compartilhado, como o Uber Juntos, ajudam a reduzir o trânsito em cidades como São Paulo diminuindo a frota de carros particulares em circulação ou atraem quem já não se desloca por meios individuais habitualmente?

Uma pesquisa realizada pela Quest Inteligência, empresa de inteligência de mercado e satisfação de clientes, em conjunto com o GAESI, grupo de tecnologias de automação e gestão de processos da Escola Politécnica da USP – Universidade de São Paulo sustenta que a modalidade de carros compartilhados da multinacional Uber está tirando na cidade de São Paulo mais passageiros do transporte coletivo que convencendo as pessoas a deixar o carro em casa.

Segundo a pesquisa, 62% dos usuários do “Uber Juntos” vieram do transporte coletivo, sendo que metade deste total não assinalou nenhum outro tipo de deslocamento anterior, como táxis, carros de passeio ou motos.  Assim, a maioria destas pessoas só andava de ônibus, trem e metrô.

A pesquisa foi realizada em todas as regiões da cidade de São Paulo e ouviu 351 usuários da modalidade “Uber Juntos” entre os dias 18 de fevereiro de 2019 e 19 de abril de 2019, durante os trajetos.

O índice de confiabilidade da pesquisa é de 95%.

Procurada pelo Diário do Transporte, a empresa Uber diz desconhecer a metodologia da pesquisa, considerou pequena a amostragem para que haja conclusões e ainda afirmou que a modalidade “Uber Juntos” pelo fato de circular somente em regiões centrais não concorre, mas complementa o transporte público.

“Em funcionamento apenas nas regiões centrais dos grandes centros, complementa o transporte público, permitindo que o usuário se desloque até o centro da cidade de ônibus, metrô ou trem, e realizando apenas os últimos quilômetros de Juntos. O sistema facilitar o acesso das pessoas às linhas de ônibus ou de trens, ampliando o acesso dos usuários à rede pública. (…) A Uber também não teve acesso à metodologia, portanto desconhece quais critérios foram considerados pela empresa contratada para a construir a amostra de 351 entrevistados, que representa 0,018% do universo de mais de 2 milhões de usuários que realizaram viagens de Uber Juntos nos primeiros seis meses do ano na capital paulista.” – ao fim da matéria, nota na íntegra

Já a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte, da prefeitura de São Paulo, responsável por gerir o trânsito e os diferentes meios de deslocamentos, disse nesta terça-feira, 16 de julho de 2019, que não comenta pesquisas que não conhece a metodologia e que, na cidade, o transporte por aplicativos é regulamentado. – nota na íntegra também ao fim da matéria.

A pesquisa da Quest Inteligência em parceria com a USP ainda revela que quando questionados sobre qual a alternativa para o mesmo deslocamento, depois do uso da ferramenta, 94,5% da amostra ainda consideraria o transporte público, como primeira ou segunda opção.

A pesquisa ainda mostra que 95,2% dos passageiros se tornaram usuários frequentes e que 4,8% dos novos usuários dificilmente voltarão a se locomover de forma “analógica”.

O principal atrativo da modalidade compartilhada é o preço baixo: quase metade das viagens pesquisadas (49%) teve custo menor que duas tarifas do transporte público em São Paulo (R$ 8,60). A tarifa básica dos ônibus municipais gerenciados pela SPTrans – São Paulo Transporte, dos serviços da CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, das linhas de Metrô (de operação pública ou privada) e do monotrilho da zona Leste têm tarifa de R$ 4,30.

O custo médio dos deslocamentos do “Uber Juntos” na cidade de São Paulo, de acordo com a pesquisa, foi de R$ 9,46 no período de levantamento.

 

O baixo custo médio das viagens pode ser analisado a partir da extensão dos deslocamentos: 5,6 km em média, segundo os dados.

Enquanto que pelo Bilhete Único da cidade de São Paulo é possível fazer até quatro embarques no transporte público em até três horas pagando uma tarifa (R$ 4,30), independentemente da hora do dia e da extensão do trajeto, os valores das viagens dos aplicativos mudam de acordo com a extensão e também com os horários, sendo mais altos quando há maior procura, ou seja, é a chamada tarifa dinâmica.

 

A pesquisa revela ainda que a maior parte dos usuários (76,9%) que anda de Uber Juntos tem Bilhete Único do transporte público de São Paulo.

Os percentuais são maiores entre as pessoas com idades mais baixas: 92,9% entre os passageiros de 18 a 20 anos e 78,7% com idades entre 21 a 30 anos.

 

A baixa ocupação dos carros, que nem sempre trafegam com todos os lugares preenchidos, e a sensação do conforto de um transporte individual são os principais diferenciais da modalidade que atraíram os passageiros, de acordo com as respostas.

PERFIS:

A maioria dos usuários do “Uber Juntos”, de acordo com a pesquisa, é formada por homens (57,8%). A maior parte dos passageiros desta modalidade tem formação de nível superior (69,2%) e idade entre 21 e 30 anos (53,56%).

Já quanto aos motoristas da modalidade “Uber Juntos”, a pesquisa aponta que 96,9% são homens. A maior parte dos condutores trabalha em média 10,2 horas por dia. Estes motoristas transportam, em média por dia, dois passageiros no aplicativo “Uber Juntos”.

MODALIDADE PREOCUPA EMPRESAS DE ÔNIBUS:

Em todo o País, as empresas de ônibus se dizem preocupadas com modalidades de compartilhamento de carros por aplicativos como o “Uber Juntos”.

O assunto não é de agora.

Em novembro do ano passado, durante a 74ª Reunião Geral da FNP (Frente Nacional de Prefeitos), que ocorreu em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, a NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), entidade que reúne mais de 500 viações, informou que as empresas de ônibus já perderam 5% dos passageiros para aplicativos como Uber e 99 em algumas cidades do Brasil.

A associação escreveu uma carta aberta aos prefeitos de todo o País solicitando que protejam o transporte coletivo do que consideram “concorrência desleal” criada por modalidades de transporte por aplicativo para mais de uma pessoa, como o Uber Juntos e o Pool +, da 99.

Relembre:

https://diariodotransporte.com.br/2018/11/29/empresas-de-onibus-dizem-que-ja-perderam-5-dos-passageiros-para-aplicativos/

Conforme publicado pelo Diário do Transporte no dia 22 de novembro de 2018, as empresas de ônibus da cidade de São Paulo já demonstram insatisfação com a modalidade “Uber Juntos”. O SPUrbanuss, que é o sindicato que representa as companhias do subsistema estrutural (ônibus maiores com linhas que passam pelo centro da cidade), protocolou uma carta ao então secretário municipal de Mobilidade e Transportes, João Octaviano Machado Neto, pedindo que a prefeitura proíba a modalidade e a classifique como “transporte ilegal”.

Relembre: Empresas de ônibus de São Paulo pedem à prefeitura que proíba as atividades do Uber compartilhado na cidade

O documento é assinado pelo presidente da entidade, Francisco Christovam, e ainda pede fiscalização com maior rigor sobre a Uber e a intervenção do Ministério Público do Estado de São Paulo.

O QUE DIZ A PREFEITURA DE SÃO PAULO:

Em nota ao Diário do Transporte, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte disse nesta terça-feira, 16 de julho de 2019, que não comenta pesquisas que não conhece a metodologia e que, na cidade, o transporte por aplicativos é regulamentado.

A Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte (SMT) não comenta pesquisas cujo conteúdo e metodologia não sejam de conhecimento de seu corpo técnico. A SMT ainda esclarece que o transporte de passageiros por aplicativo possui regulamentação municipal cujo objetivo é melhorar a segurança dos motoristas e dos passageiros que utilizam transporte por aplicativos.

O QUE DIZ A UBER:

A empresa Uber diz desconhecer a metodologia da pesquisa, considerou pequena a amostragem para que haja conclusões e ainda afirmou que a modalidade “Uber Juntos” pelo fato de circular somente em regiões centrais não concorre, mas complementa o transporte público.

A Uber também citou matérias jornalísticas e uma pesquisa internacional que mostram que não há relação direta entre os aplicativos de transporte e a perda de demanda dos ônibus, mas sim a oferta de transporte coletivo sobre pneus, a prioridade dada aos automóveis e a expansão das malhas metroferroviárias.

“A Uber não teve acesso à pesquisa realizada pela Quest Inteligência. Segundo informações passadas pela reportagem, a pesquisa foi realizada em todas as regiões de São Paulo. O Uber Juntos, no entanto, só funciona no centro expandido da capital, em horários específicos. Os usuários entrevistados em outras regiões precisariam obrigatoriamente acessar a área de atuação do Juntos via outro modal.

O Uber Juntos é sistema que combina viagens individuais com trajetos convergentes para compartilhar o mesmo veículo. Em funcionamento apenas nas regiões centrais dos grandes centros, complementa o transporte público, permitindo que o usuário se desloque até o centro da cidade de ônibus, metrô ou trem, e realizando apenas os últimos quilômetros de Juntos. O sistema facilitar o acesso das pessoas às linhas de ônibus ou de trens, ampliando o acesso dos usuários à rede pública.

A Uber também não teve acesso à metodologia, portanto desconhece quais critérios foram considerados pela empresa contratada para a construir a amostra de 351 entrevistados, que representa 0,018% do universo de mais de 2 milhões de usuários que realizaram viagens de Uber Juntos nos primeiros seis meses do ano na capital paulista.

Além disso, sem ter acesso à íntegra da pesquisa não é possível saber, por exemplo, se foram apurados pela empresa contratada dados básicos como a frequência do suposto uso dos aplicativos em substituição ao transporte coletivo, se rotineira ou eventual, como em um dia de chuva ou outra situação específica em que o deslocamento por automóvel seja encarado pelo usuário como mais apropriado.

Da mesma forma, os dados apresentados não permitem concluir se a suposta substituição é permanente ou provisória. A Quest Inteligência afirma ter apurado uma “migração permanente de usuários” do transporte público para o Uber Juntos, com finalidade principal de deslocamento para o trabalho, porém a própria empresa calcula uma média de viagens em 3,8 por semana — dado incompatível com o cenário de usuários usando o app todos os dias para ir e voltar do trabalho, em que seria esperada uma média próxima de 10 viagens por semana (considerando duas viagens por dia, segunda a sexta).

É importante lembrar também que, em reportagens publicadas pelo jornal “Folha de S.Paulo” recentemente, a própria SPTrans analisa que um dos principais fatores da queda do número de passageiros do sistema de ônibus tem relação com a abertura de novas estações do metrô na capital.

Segundo a reportagem, a abertura das estações Higienópolis-Mackenzie e Oscar Freire, da linha 4-amarela do metrô, por exemplo, reduziu o número de passageiros do corredor de ônibus Campo Limpo-Rebouças-Centro em 7% entre agosto de 2018 ante o mesmo mês de 2017. No mesmo período, a linha 4-amarela registrou aumento de 12% no número de usuários. Outra reportagem apontou que o corredor de ônibus Vereador José Diniz-Ibirapuera-Santa Cruz registrou uma redução de 13% no número de passageiros transportados em outubro de 2018, logo depois da inauguração das novas estações da linha 5-lilás. O blog “Via Trólebus” apontou ainda que linhas de ônibus na região também verificaram redução acentuada de usuários, chegando a 63%, caso da 675L (Santo Amaro-Santa Cruz).

Pesquisadores da McGill University concluíram em estudo publicado em 2018 que a oferta de serviço ônibus e o índice de propriedade de automóveis são os fatores determinantes do número de usuários no transporte público A pesquisa analisou 13 anos de dados de transporte de 25 cidades americanas e os comparou com uma dezena de indicadores, entre eles a presença da Uber. A oferta de ônibus, medida em km percorridos pelos veículos (VRK), foi o principal fator de impacto no número de usuários. Os pesquisadores não encontraram relação estatística significativa entre o número de usuários e o serviço da Uber, embora observaram que a presença da empresa está associada a níveis maiores de uso do transporte público nas cidades analisadas.”