Inovação na locomoção, como apps para ônibus e bike gratuita na periferia

20/08/2020

Fonte: O Estado de São Paulo

No Summit Mobilidade 2020, foram apresentados aplicativo para transporte sob demanda e sistema de compartilhamento com bicicletas doadas 

Alex Gomes e Ocimara Balmant, Especiais para o Estado 

Imagine a cena: alguém que precisa se deslocar na cidade pega o celular e abre um aplicativo de transportes, informando origem e destino da viagem pretendida. Logo após, recebe a confirmação de que um motorista está caminho. Até aqui, nada que o leitor não esteja acostumado a ver pelo País. A cena torna-se inédita quando o veículo que surge é um ônibus, e o usuário embarca em uma viagem com dezenas de passageiros. 

A narrativa ilustra o conceito de transporte público sob demanda. A proposta é vista por empresas e especialistas como uma saída para a crise de longa data do setor, acentuada de forma brutal pela pandemia. Em alguns lugares do Brasil, a ideia já é realidade, como em Fortaleza, em Goiânia e no Distrito Federal. O projeto da capital de Goiás foi o pioneiro. Lançado em 2019, o CityBus 2.0, administrado pela concessionária HP Transportes, atende a região do centro expandido com uma frota de 64 micro-ônibus com capacidade para 14 pessoas. Em Fortaleza, o Top Bus+, que opera desde dezembro de 2019, passou de 50 mil usuários. 

Em São Paulo, o tema está na pauta do projeto de lei 01-00119 de 2020, que propõe o Serviço de Ônibus por Demanda (SOD). O texto recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa da Câmara Municipal (CCJ), mas vem enfrentando oposição, como a do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss). 

Como funciona o app para chamar ônibus 

No transporte público sob demanda, os usuários solicitam as viagens e se dirigem a um ponto definido pelo sistema, no qual o veículo recebe os passageiros, como uma parada de ônibus comum. No geral, as plataformas usam algoritmos para coordenar assolicitações de origem e destino e direcionar a um veículo coletivo. Dessa forma, a tecnologia oferece a possibilidade de reduzir ou eliminar um dos problemas mais antigos da área: a circulação de veículos em linhas ociosas. 

“O serviço sob demanda tem diversas faces. Pode ser totalmente flexível, com rotas e pontos que se modifiquem, ou parcialmente, com um desses itens fixo por exemplo. Elefunciona como um integrador do transporte de massa, pois está ali para complementar o sistema”, explica Débora Canongia, sócia e fundadora da startup de mobilidade On.I-Bus

A startup atua em um projeto-piloto de transporte de cadeirantes na Região Metropolitana de Vitória, no Espírito Santo. Nele, as viagens são solicitadas pelo menos 48 horas antes e o percurso é feito no modo porta a porta, atendendo a origem e o destino exatos dos usuários. 

Desafios para o transporte público sob demanda 

Se as vantagens do conceito sob demanda soam animadoras para as empresas implantarem o sistema, os desafios regulatórios, estruturais e culturais ainda são grandes desafios. “Muitas cidades apresentam editais antigos, quando esse tipo de serviço não era nem pensado. Daí é preciso convencer o poder público de que a modalidade é interessante e eficiente”, pontua Canongia. “E os passageiros têm de ter a maturidade para entender o que é esse novo serviço, de perceber as vantagens de estar compartilhando uma viagem.” 

Não menos intrincada é a questão da estrutura. A necessidade das operadoras do setor terem uma frota própria torna o plano de negócios bem mais oneroso que o dos serviços de transporte individuais, afirma Ciro Biderman, professor do Mestrado e Doutorado em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Nos aplicativoscomo Uber e 99, o usuário solicita a viagem e um motorista ativo é chamado. A oferta de veículos vai aparecendo conforme a demanda e as empresas não têm responsabilidade sobre esse capital. Já a empresa de ônibus não pode agir assim, ela tem de ter uma frota própria.” 

Um caso a ser acompanhado será o de São José dos Campos. A prefeitura da cidade do interior de São Paulo se prepara para lançar um edital de um novo modelo de transporte público que incluirá a modalidade sob demanda. O professor Ciro Biderman da FGV coordenou o plano, que prevê um sistema sob demanda com horários de partida fixos ou flexíveis, com a possibilidade de aumento ou redução de oferta. Os trajetos podem tanto ser fixos como otimizados por algoritmos. 

Quanto às tarifas, há a possibilidade de serem dinâmicas, mas seu funcionamento ainda está em discussão. “O esquema parecido com o modelo dos aplicativos não é a prioridade do edital. Tem seus méritos, mas seus efeitos sobre a igualdade do sistema são discutíveis.” 

Integração metropolitana e Mobilidade como Serviço 

O transporte sob demanda é uma das inovações propostas na área de mobilidade. Outra é o conceito de Mobilidade como Serviço – tradução do inglês, Mobility as a Service (MaaS) –, no qual se planeja o funcionamento de todos os tipos de modais de maneira integrada. A ideia motiva debates sobre a necessidade de criar autoridades metropolitanas de transportes, com poderes para organizar as distintas redes de municípios em que serviços como linhas de ônibus e sob trilhos operam sem integração ou mesmo de forma concorrente. 

A proposta consiste na integração de todos os modais, de modo que toda a jornada do usuário seja condicionada a uma tarifa única. Modais como bicicletas compartilhadas, transporte individual, ônibus e trens podem ser componentes de uma viagem e combinados para proporcionar a experiência mais adequada, seja de forma automatizada por aplicativos ou de acordo com a preferência do usuário.