Mobilidade pós-covid: usuários exigentes e mais diálogo público-privado

25/11/2020

Fonte: Exame


Qual o futuro da mobilidade pós-Covid? A pandemia reforçou a importância da qualidade e da segurança dos serviços de transporte coletivo, com usuários cada vez mais exigentes e preocupados com a saúde.

A crise econômica causada pelo novo coronavírus, com a queda expressiva da demanda,  também revelou a necessidade urgente de maior diálogo entre o poder público e as empresas na busca por um novo modelo de financiamento do sistema, que hoje é bancado exclusivamente pelos passageiros. E as limitações da Covid ainda aceleraram a transformação digital do setor, com soluções on-line para facilitar os deslocamentos individuais e coletivos. Esses foram os destaques da live realizada nesta terça-feira, 24 de novembro, pela Bússola, que reuniu lideranças da área de transportes para debater os desafios da mobilidade.

Digitalização

Como em diversos outros setores da economia, a digitalização dos serviços ligados à mobilidade foi uma das mudanças trazidas pela pandemia. Foi preciso inovar em tempos de distanciamento social para não perder o consumidor, que não quer sair de casa e precisa resolver tudo pelo celular. O e-commerce de passagens, por exemplo, não para de crescer. As empresas que já vinham investindo em tecnologia remota saíram na frente. É o caso da Veloe, uma unidade de negócio da Alelo de pagamento eletrônico em pedágios e estacionamentos.

“A crise impulsiona movimentos que já estão presentes nas companhias e acelera a adoção de novas culturas organizacionais. Por sermos 100% digital, conseguimos nos adaptar mais facilmente a este novo momento. Além disso, o nosso negócio se beneficiou dos novos protocolos sanitários, da mudança de comportamento do consumidor. O serviço de pagamento automático da Veloe em estacionamentos e pedágios substitui o contato com dinheiro  em espécie, e esse manuseio vem justamente sendo evitado na pandemia”, explicou André Turquetto, diretor de Marketing da Alelo/Veloe.  

Turquetto ressaltou que a informação é matéria-prima fundamental para a tomada de decisões e o desenho de soluções, por isso, o uso de dados pelas empresas para a gestão do negócio tornou-se ainda mais estratégico na pandemia. “No cenário atual, todas as empresas precisam ser orientadas a dados, ser data-driven. Quando a gente utiliza o dado para entender as oportunidades de mercado, a gente toma decisões mais precisas e consegue reduzir as falhas de maneiras mais concretas e seguras. No caso da Veloe, fazemos monitoramento e análise permanente dos dados nos estacionamentos e praças de pedágio”, destacou.

Segurança dos passageiros

Desde o início, associações e empresas de transportes uniram esforços para adaptar o setor às novas exigências sanitárias, com objetivo de garantir a segurança de passageiros e funcionários e tentar reverter a queda recorde na demanda. No caso dos ônibus urbanos, que são responsáveis por 4 em cada 5 viagens de transporte coletivo no Brasil, a redução do movimento chegou a 80% num primeiro momento. A situação do transporte rodoviário interestadual foi ainda pior: o número de usuários chegou a ser 95% menor durante a quarentena mais severa.

Letícia Pineschi, conselheira da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (ABRATI), que representa o setor rodoviário interestadual e internacional, destacou que, mesmo com a adoção de protocolos rigorosos contra o vírus, o processo de convencimento do usuário sobre a segurança das viagens não tem sido fácil.

“O maior desafio das empresas é comunicar aos passageiros todos os protocolos que foram adotados, reforçando que a segurança é nossa prioridade. A ABRATI promoveu debates virtuais entre as empresas para promover as ações contra a Covid, que devem se estender também aos pontos de paradas”, afirmou Letícia, lembrando que o usuário do transporte interestadual precisa encontrar nos pontos de parada o mesmo nível de segurança que ele já tem dentro dos ônibus.

Sobre o movimento que começa a ser retomado e hoje está em 60% do registrado antes da pandemia, Letícia é cautelosa: “nossa expectativa é de crescimento gradual e bastante responsável. Não dá pra imaginar um 2020, nem mesmo um 2021, nos mesmos patamares que do início deste ano e final do ano passado. No entanto, existe, sim, uma expectativa de melhora para o final do ano, mas, tudo vai depender de como a doença vai se comportar, da expectativa da vacina e do quanto nós vamos conseguir mostrar efetivamente essa segurança para o nosso passageiro. O desafio ainda é enorme”.

Mais diálogo entre empresas e governo

Na opinião dos debatedores presentes ao webinar da Bússola, apesar de todos os aspectos negativos da crise causada pela Covid, especialmente os problemas financeiros, o momento também é de oportunidade para que o poder público e as empresas de transporte se aproximem e pensem juntos soluções para questões estruturais do sistema de mobilidade que já eram desafiadoras antes da pandemia.

O diretor administrativo e institucional da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Marcos Bicalho, disse que um dos grandes entraves está no modelo de financiamento do transporte coletivo. “O momento mais difícil já foi superado, mas vivemos uma situação ainda frágil. Nas capitais, a demanda está 40%, 50% abaixo do normal. Com a oferta bem superior à demanda, há um desequilíbrio financeiro para as empresas, já que, no Brasil, o pagamento de passagens é praticamente a única fonte de receita para as empresas operadoras. E quando se tem esse desequilíbrio, isso gera uma dificuldade muito grande para todo o sistema”, afirmou.

Segundo Bicalho, o auxílio de R$ 4 bilhões para empresas de transporte público que acaba de ser aprovado pelo Congresso não será suficiente para compensar as perdas causadas pela Covid. “Não acredito que seja a saída porque, pelos nossos cálculos, os prejuízos ao longo de 2020 vão chegar na ordem de R$ 9 bilhões somente para as empresas de ônibus urbanos. E nós estamos falando de um auxílio que vai também para os sistemas metroferroviários. Então, é uma ajuda significativa que vai minorar, mas não vai resolver a crise por que estamos passando”, alertou.

Para Jorge Dias, presidente do Conselho de Administração do BRT Rio, a crise provocada pelo coronavírus só comprova que é preciso encontrar outras formas de financiar o setor, que não seja apenas por meio da demanda de passageiros. “Como essa é a nossa única fonte de financiamento, não temos hoje condições de fazer frente a todos os compromissos que temos”, lamentou.

Dias explicou que é urgente debater novas fontes de custeio para o transporte público, direito social garantido pela Constituição. “Somos um serviço essencial, temos obrigação de entregar o serviço, com qualidade, mas não tem como fazer omelete sem quebrar ovos. Ou seja, a gente não tem como apresentar um bom serviço, com tudo o que o nosso usuário merece, com o nível de remuneração que se tem hoje, que é exclusivamente por meio das passagens. Por isso, o maior desafio hoje é um financiamento sustentável do setor de transporte coletivo”, concluiu.