"Custo do transporte não pode ser integralmente transferido à população"

06/08/2025

Fonte: O Estado de São Paulo 

Executivo da NTU fala sobre tarifa zero, novas tecnologias e descarbonização da frota de ônibusENTREVISTA

O custo do transporte em São Paulo (atualizado) - Estadão

Melhorar a qualidade dos deslocamentos da população, com frota renovada e limpa, incluir tecnologias para aprimorar a gestão dos processos e ampliar o acesso ao transporte subsidiado são mudanças significativas para reestruturar o sistema de transporte coletivo urbano no Brasil, incluindo eficiência e sustentabilidade financeira.

 

"A tarifa zero, por exemplo, necessita ser vista como uma política pública, resultado de um estudo técnico bem feito, pois é um benefício que proporciona acesso universal à locomoção", diz Francisco Christovam, diretor executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

 

Estes, entre outros temas relevantes, serão debatidos no Seminário Nacional NTU, que ocorrerá em Brasília, entre os dias 12 e 13 de agosto. O tema central do encontro será "Rotas para um transporte público mais sustentável". Na entrevista a seguir, Christovam traz um panorama do setor e avalia diretrizes para transformar esse serviço essencial como um direito do cidadão, além de adequá-lo às necessidades ambientais e financeiras do sistema.

 

Quantas cidades brasileiras praticam a tarifa zero e quais as modalidades?

 

Atualmente, 158 cidades brasileiras já adotaram a gratuidade no transporte público. Dessas, 129 têm tarifa zero plena (todos os dias, em todas as linhas e horários). Em 19 delas, o modelo é apenas para alguns dias (como São Paulo, com gratuidade aos domingos). Outras têm modelos particulares, como uma tarifa reduzida em determinados horários. Isso demonstra uma crescente consciência de que o custo do serviço não pode ser transferido integralmente para a população.

 

Quais os principais entraves para a adoção da tarifa zero em cidades com mais de 100 mil habitantes?

 

Em cidades muito grandes, o custo do serviço de transporte com tarifa zero pode comprometer uma parcela alta do orçamento. Por exemplo, em São Paulo, estima-se que custaria cerca de R$ 20 bilhões por ano. Cerca de 17% do orçamento municipal, algo muito difícil de viabilizar sem outras fontes de financiamento.

 

Além disso, a demanda pelo transporte, após a implementação da gratuidade, pode crescer de três a quatro vezes, o que exigiria um aumento significativo da frota de ônibus.

 

Como o sr. avalia a política nacional de descarbonização e substituição da frota de ônibus no Brasil?

 

As iniciativas ainda são pontuais, como as regulamentações do Ministério de Minas e Energia e os recursos do Ministério das Cidades para financiar frotas de ônibus elétricos, que são financiamentos para as prefeituras, não a fundo perdido, e que precisarão ser pagos. Adquirir ônibus sem a infraestrutura de recarga adequada resulta em veículos parados.

 

Quais são os principais desafios para a eletrificação da frota, sobretudo em cidades como São Paulo?

 

Vários, porque a implantação desse sistema requer um projeto detalhado, de planejamento e coordenação com as concessionárias de energia para uma infraestrutura de recarga compatível, adaptada à demanda dos elétricos, incluindo tempo de entrega de materiais. A falta de projeto prévio leva a problemas como a compra de veículos que não podem ser operados por falta de infraestrutura ou de acordo com o modelo de negócio, além dos atrasos, como acontece em São Paulo com a Enel e não é uma situação isolada. Um ônibus elétrico custa cerca de três vezes mais que um a diesel equivalente e é preciso definir o tipo de veículo, autonomia, onde abastecer e reabastecer, e se operará em trânsito normal ou em faixas exclusivas para otimizar o alto investimento, e não ficarem parados em congestionamentos.

 

Considerando o alto custo dos veículos, qual seria um modelo de financiamento para a frota elétrica?

 

A sugestão é subsidiar o sistema de transporte, com a municipalidade arcando com dois terços do custo do veículo e transferindo um terço para o operador, que já investiria esse recurso em um a diesel. Não é justo imputar o custo total da frota elétrica ao operador ou transferir para o passageiro.

 

Quais os impactos dos ataques a ônibus ocorridos em São Paulo nos últimos meses? O que foi feito para conter esse problema?

 

O maior impacto foi a impossibilidade de colocar a frota total em operação, pois a falta de peças deixou os ônibus parados. Quase 600 veículos foram danificados na cidade de São Paulo, mais de 300 na região metropolitana e mais de 200 nos municípios vizinhos, totalizando mais de mil ônibus. Um grande contingente de policiais militares e civis foi disponibilizado, com viaturas e motos, para patrulhar corredores e terminais. Porém, os 5 mil quilômetros de vias em São Paulo dificultaram o policiamento ostensivo em todas as linhas. O impacto financeiro direto inclui o custo de reposição de vidros (cerca de R$ 3 mil para laterais até R$ 10 mil para para-brisas), resultando em milhões de reais em prejuízo.

 

Quais mudanças permitiriam uma melhora na percepção do transporte público?

 

Entre elas, frota maior e mais nova, mais adequada às realidades locais, aumento dos subsídios, adoção da tarifa zero em mais cidades, aprovação de um marco regulatório e, na reforma tributária, a isenção de impostos. Esse conjunto visa que o serviço seja, de fato, entendido como público, essencial e que precisa de apoio financeiro.

 

Como melhorar a experiência dos usuários?

 

Em infraestrutura, é com o BRT (Bus Rapid Transit), totalmente controlado, que funciona como um metrô.

 

Goiânia, por exemplo, está implantando um sistema onde os ônibus acionam o semáforo para ter prioridade, criando uma "onda verde". As empresas vêm investindo em ferramentas para atender às atuais exigências da operação, embarcadas e de monitoramento. Entre elas, centrais que são essenciais para frotas grandes, para acompanhamento em tempo real e intervenção na linha (orientar motoristas sobre lotação), motores menos poluentes, câmeras, sistemas de comunicação e, futuramente, indicação da próxima parada dentro dos veículos, além de meios de pagamentos e sistemas ITS (Intelligent Transportation Systems) para monitoramento, programação de linhas, acompanhamento da operação e racionalização de recursos (materiais e humanos). Adoção da inteligência artificial para processar grandes volumes de dados operacionais e gerar programações e planejamentos diários mais precisos. l "Em cidades muito grandes, o custo do serviço de transporte com tarifa zero pode comprometer uma parcela muito alta do orçamento. Em São Paulo, estima-se que custaria cerca de R$ 20 bilhões por ano.

 

Cerca de 17% do orçamento municipal, algo difícil de viabilizar sem outras fontes de financiamento"

 

Autor(a): PATRÍCIA RODRIGUES