"O Brasil precisa voltar ao básico e proteger sua indústria de base", alerta Claudio de Senna Frederico
01/09/2025
Vice-presidente da ANTP, e atuante no surgimento do Metrô de SP nos anos 1970, analisa decisões internacionais e critica postura ingênua do país em processos de compra
Atualmente vice-presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) , Claudio de Senna Frederico relembra um capítulo emblemático da história da mobilidade urbana: a parceria entre o Metrô de São Paulo e a indústria ferroviária nacional começando pela Mafersa e depois também com a Cobrasma, que chegou a ser a maior fabricante de material ferroviário da América Latina. As empresas construíram os primeiros trens elétricos de aço inoxidável para os metrôs de São Paulo e depois do Rio de Janeiro. Produziram depois um trólebus e ônibus, demonstrando a capacidade da indústria nacional de atender diferentes frentes do transporte público. Mesmo tendo a Cobrasma encerrado suas atividades em 1996, e a Mafersa tendo sido comprada pela Alstom simbolizam como a proteção e o incentivo governamental foram decisivos para estruturar uma indústria de base.
É nesse contexto que Frederico, que estruturou a operação do Metrô de São Paulo nos anos 1970, comenta reportagem da revista Metro Report International, publicada em 22 de agosto de 2025, que destacou a decisão da Toronto Transit Commission (TTC) de cancelar um processo internacional de licitação para a compra de 70 trens e contratar diretamente a Alstom, garantindo conteúdo nacional mínimo. Detalhe: a Alstom está presente no Canadá há mais de 80 anos, atuando em diversas áreas de transporte. Para Cláudio Frederico o episódio é um alerta para que o Brasil reveja seus processos de aquisição e recupere a visão estratégica de apoiar sua indústria.
Cláudio explicou sua posição em entrevista a Alexandre Pelegi .
Alexandre Pelegi/Diário do Transporte - Como você avalia a decisão de Toronto de cancelar um processo internacional de licitação e contratar diretamente com uma indústria canadense?
Claudio Frederico - Essa decisão mostra que o Canadá entendeu o momento histórico que vivemos. A TTC exigiu que, além de fornecer trens de última geração, a indústria escolhida maximizasse empregos canadenses, garantisse conteúdo local e tivesse preços avaliados de forma independente. Trata-se de um movimento estratégico, alinhado à necessidade de proteger a indústria nacional diante das tarifas discricionárias impostas pelos Estados Unidos.
Alexandre Pelegi/Diário do Transporte - Você costuma lembrar o exemplo da implantação do Metrô de São Paulo. O que havia de diferente naquela época?
Claudio Frederico - Quando criamos o primeiro metrô brasileiro, havia uma diretriz clara: além da correta aplicação dos recursos públicos, era prioridade transferir tecnologia e proteger a nascente indústria ferroviária nacional. Isso permitiu viabilizar uma base produtiva que ainda hoje existe, mesmo sofrendo para sobreviver. Essa visão estratégica, infelizmente, se perdeu ao longo do tempo.
Alexandre Pelegi/Diário do Transporte - E como você vê a postura atual do Brasil nesse cenário internacional?
Claudio Frederico - O mundo mudou. Vivemos uma era de barreiras agressivas e práticas protecionistas generalizadas, mas o Brasil insiste em um "fair play" que já não existe, típico de uma visão ingênua. Enquanto outros países defendem sua indústria e seus empregos, nós nos colocamos como debutantes no mercado global. Não se trata de bloquear novos produtos e sim de incentivar que seu fornecimento seja feito em parceria com indústrias localizadas aqui que absorvam o que tenham de novo e utilizando nossos técnicos.
Alexandre Pelegi/Diário do Transporte - Qual a consequência dessa postura para a economia nacional?
Claudio Frederico - O caso canadense mostra como a aplicação de C$ 70 bilhões (cerca de R$ 280 bilhões) em expansão metroviária não é apenas um investimento em transporte, mas também uma forma de fortalecer a economia local, gerar empregos e consolidar a indústria. Aqui, se não voltarmos ao básico de proteger nossa indústria de base, corremos o risco de perder definitivamente capacidade produtiva e empregos qualificados.
Os primeiros trens da Linha 1-Azul, comprados nos anos 1970, tinham estrutura em aço inox, tração em corrente contínua com tiristores (chopper), freios eletrônicos com sistema antideslizante (precursor do ABS) e operação automática (ATO/ATP). Contavam com cabines em todos os carros, climatização simples por ventiladores e insufladores, iluminação principal e de emergência, além de baterias para manter sistemas essenciais sem energia da rede. As portas possuíam guarnições macias e abertura de emergência, embora não impedissem riscos de arraste.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes