Energia que vem do verde

01/11/2022

Fonte: Informativo AutoBus 

Este artigo editorial traz à luz uma provocação que vai além do que está sendo impulsionado quanto à eletrificação dos sistemas brasileiros de ônibus urbanos. Neste momento, tudo gira em relação ao modelo equipado com baterias como a única solução para se alcançar a redução das emissões poluentes nas cidades, em forma local, pensando em agentes nocivos como material particulado e óxido de nitrogênio.

Nesse debate sobre o que é melhor para o transporte urbano sustentável, a sociedade e os formadores de opinião esquecem-se que temos trólebus, também uma opção viável, e muito boa, em termos ambientais e de eficiência energética, mas que por seu caráter negativo em termos de visual, é deixado de lado por causa da implicância de alguns com o visual das linhas aéreas e o mito de que eles atrapalham o trânsito.

Os antagonistas também fazem críticas ao trólebus por não permitir flexibilidade operacional devido a não poder se desviar das linhas aéreas. Entretanto, a demanda elevada nos corredores dispensa tal flexibilidade e permite maior investimento na estrutura para tirar proveito da sua maior eficiência, a tal ponto que justifica não apenas o “fio por cima, como até os trilhos por baixo” em alguns casos.

É preciso que se tenha em mente que os ônibus elétricos a bateria seriam justificáveis apenas onde a demanda não seja grande e a flexibilidade seja um item importante, lembrando que as baterias correspondem ao peso de algumas dezenas de passageiros adicionais que seriam transportados com a mesma energia se o veículo fosse um trólebus.

Contudo, cada caso exige uma solução e o sistema de transportes precisa de todas elas. Há outras opções que podem contribuir positivamente com o contexto ambiental, como por exemplo, o ônibus com tração híbrida, aquela que utiliza duas tecnologias de motores, um de combustão interna, mais reduzido, e outro elétrico, formando um conjunto eficiente e propício para reduzir o peso do veículo impactado pela presença de um banco avantajado de baterias (com volume que pode atingir até três toneladas, dependendo da configuração).

O conceito híbrido, amplamente explorado e utilizado em países do primeiro mundo como transição entre os modelos de propulsão – motores de combustão e 100% elétrico -, vem tendo destaque para os veículos leves, mas não teve sucesso em plagas brasileiras para veículos pesados. Poucas fabricantes de ônibus apostaram suas fichas na concepção, renunciando sua viabilidade ao queimar etapa de desenvolvimento e propagação comercial em direção à eletrificação pura.

Porém, este artigo quer desafiar a indústria para rever sua postura quanto a disponibilizar no mercado mais esta opção considerada por estes que lhe escrevem, uma alternativa viável quanto à tecnologia e nas questões ambientais. Para nós, essa configuração pode beneficiar o ônibus, lhe mantendo as mesmas condições favoráveis em sua operação (se comparado ao modelo a diesel), com o toque energético mais limpo e eficiente.

A tração híbrida necessita de um banco de baterias muito menor na estrutura do ônibus, porque sua função é apenas um armazenamento temporário de energia durante o movimento do veículo, com consequências positivas ao permitir que o veículo leve mais passageiros e não somente energia, reduzindo também os significativos impactos ambientais que ocorrem na sua fabricação e, também, no seu descarte.

Por outro lado, a harmonia entre um motor de combustão a biocombustível e outro elétrico, tende a resultar em menores impactos ambientais possíveis causados pelas emissões associadas ao veículo. Neste conceito, o motor brasileiro a álcool se configura como um dos melhores geradores de energia a bordo, de baixo carbono e sem a necessidade de infraestrutura específica para recargas externas, com o mesmo tempo de parada para abastecimento de um veículo tradicional.
Novamente, não se pode esquecer que nos tempos atuais toda a energia hidroelétrica da matriz brasileira já está destinada aos seus consumidores tradicionais, de forma que qualquer aumento de demanda nesse quesito será atendido pela geração térmica, ainda sem qualquer controle de emissão, e já motivadora das famosas “bandeiras” amarela, vermelha etc. Em resumo, os veículos elétricos que entrarão no mercado brasileiro tendem a ser alimentados a diesel ou a gás natural, com emissão de CO2 nos níveis máximos.

Com o modelo híbrido-etanol, estaríamos fomentando, ainda mais, algo que conhecemos muito bem e que tem um apelo expressivo na pegada de carbono, que é o etanol feito da cana-de-açúcar, cultura abundante em nosso País e que nos coloca em posição extremamente conveniente diante do que determina o Acordo de Paris quanto à mitigação dos efeitos nocivos da poluição.

Em termos de custo, são os veículos puramente elétricos que tendem a ser mais caros do que os híbridos, como o que vem ocorrendo no mercado de automóveis, o que representa mais um desafio a vencer no caso das baterias.

Além disso, esta estratégia posterga a adoção dos veículos puramente elétricos, dando o tempo necessário para a ampliação e descarbonização da matriz de produção de energia elétrica, bem como no melhor desenvolvimento e redução dos custos e impactos ambientais das baterias.

Os automóveis híbridos-flex já vêm se destacando comercialmente no Brasil e algumas experiências e projetos de desenvolvimento de ônibus híbridos com motor a etanol já foram realizadas com sucesso por algumas parcerias entre montadoras e empresas de tecnologia.

Entretanto, apesar das diretrizes dos programas brasileiros de eficiência energética e RenovaBio para o incentivo ao combustível renovável, estes sim, voltados à máxima redução da emissão de CO2 possível, os desenvolvimentos de ônibus híbridos-etanol parecem ter sido abandonados porque a visão estratégica das exigências para os veículos urbanos em várias cidades tem sido centrada em apenas uma parte do contexto, concebida no atropelo político e que não se coaduna com os programas já criados para este fim.

Lembrando que a indústria brasileira do ônibus é capaz de desenvolver e produzir aquilo que se aspira em termos de configuração alternativa e limpa, dentro da lógica da viabilidade técnica e econômica, conforme o mercado e as disposições legislativas demandem.   

Por fim, não existe uma solução única como panaceia para todos os problemas, mas é preciso que o transporte público tire proveito de todas as opções tecnológicas disponíveis, cada uma no seu nicho de oportunidades.

Por Antonio Ferro – editor da revista AutoBus
e Gabriel Murgel Branco - diretor da Environmentality, Tecnologia com Conceitos Ambientais Ltda.