PODE ISSO, ARNALDO?

05/03/2024

Fonte: Revista Autobus

Não há dúvida que a eletricidade será o combustível do futuro. Porém, não é louvável pensarmos, apenas, numa tecnologia enquanto o Brasil é a terra das oportunidades para a transição energética do transporte

Liberdade de expressão e de escolhas são valores fundamentais para nós. E devem ser respeitados. Imposição de ideias, de opiniões e até de ações não devem ser regras que atormentem nossas vidas. Contudo, há mobilizações que buscam interferir em nosso modo de pensar e agir, vindas de poderes públicos, não contentes com o caráter de nossa sociedade (sempre aguerrida) quanto às constantes sobreposições dos obstáculos cotidianos.

Com o sistema de transporte, esse tema da liberdade, também, pode ser um aspecto determinante para o seu desempenho.  Recentemente, um Projeto de Lei n° 3519/2023, de autoria do digníssimo Deputado Federal, Mauricio Neves (PP/SP), dá mostras que pretende alterar a Lei de Mobilidade Urbana para impor a eletromobilidade integral no Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. Mais um exemplo de como as atitudes soberbas ou com segundas intenções, mostram suas garras.

É preciso lembrar ao parlamentar que esse assunto compete à União, Estado, Municípios e Distrito Federal na escolha dos veículos movidos a combustível fóssil de sua propriedade ou sob sua responsabilidade administrativa por veículos elétricos.

Para a Associação Nacional de Transportes Urbanos (NTU), o PL apresenta falhas de ordem constitucional, legal, técnica e orçamentária que tendem a inviabilizar sua aplicação, como o impacto financeiro significativo – um ônibus elétrico custa hoje 3,5 vezes a mais que um ônibus a diesel, o que geraria um aumento expressivo nos custos do transporte público, impactando diretamente os usuários e/ou os cofres públicos, no caso de tarifas subsidiadas -; a falta de viabilidade orçamentária, sendo que o PL impõe ônus aos entes federados sem prévia previsão orçamentária para a implementação da medida, contrariando a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Emenda Constitucional n° 128/2022; a ausência de infraestrutura necessária para a recarga dos veículos elétricos, que ainda é limitada em grande parte do País, inviabilizando a implementação da medida em curto prazo; e o conflito de competência legal, sendo que a proposta invade a competência dos entes federados, que, de acordo com a Constituição Federal, são responsáveis pela organização e prestação do serviço de transporte público.

Qual o interesse do deputado em fomentar algo quando a mobilidade e o transporte coletivo necessitam de outros fundamentos para alcançar a eficiência e a qualificação? Por que o nobre representante do povo não tem a iniciativa de promover mecanismos que deem às cidades e às prefeituras mais incentivos para a promoção do transporte coletivo, para que ele seja moderno e tenha resultados práticos e objetivos – diga-se corredores exclusivos e com total infraestrutura? Afinal, ninguém quer andar de ônibus preso num congestionamento.

Ainda assim, é preciso levar em conta outras tecnologias de baixa emissão para a descarbonização do transporte, como biocombustíveis e modelos com tração híbrida. Um exemplo que não impacta o meio ambiente urbano é a atual tecnologia utilizada nos novos veículos a diesel, Euro VI, com reduzidas emissões poluentes. E tem um detalhe, o transporte por ônibus responde por menos de 1,5% da emissão de carbono no Brasil. Por que essa obsessão ao tema da eletrificação?

Precisamos pensar numa forma ampla, que beneficie o sistema como um todo e não apenas de maneira isolada, em que a vantagem recai à uma tecnologia ou, então, à um modelo de transporte que não integre o deslocamento das pessoas em seus cotidianos. Visão estratégica é essencial para o sucesso da mobilidade.

Editorial